🌾 Totora: a erva que flutua
O lago Titicaca, as lagoas bolivianas e peruanas, os pântanos andinos: essas paisagens há milênios abrigam embarcações estranhas. Nada de madeira maciça, nem metal. Apenas feixes apertados de junco que carregam homens, mulheres, crianças… e às vezes seus sonhos bem além das margens.
A totora (Schoenoplectus californicus subsp. tatora) é uma planta aquática. Cresce em abundância no altiplano andino. Mas esse simples junco se tornou uma das chaves da navegação ancestral.
🐟 Civilizações lacustres milenares
Muito antes dos Incas, as civilizações do lago Titicaca (Tiwanaku, Collas, Uros) já construíam balsas de totora. O junco não servia apenas para flutuar: permitia construir ilhas, casas, celeiros, redes.
Esses barcos serviam para pesca, comércio, conectar vilarejos, manter o vínculo entre o homem e a água. Os Uros ainda vivem hoje em suas ilhas flutuantes de totora, e continuam esse saber.
Para esses povos, a totora não é apenas um material: é uma planta sagrada. Protege, alimenta, transporta, cura.
🛠️ Um saber ancestral
Construir uma balsa exige paciência e experiência.
Os juncos são colhidos, secos, selecionados. Depois são montados em cordões torcidos, amarrados com cordas naturais. Vários cordões são reunidos para formar o casco.
O conhecimento é transmitido oralmente, pelo gesto. Cada detalhe conta: o peso, a simetria, o ângulo das fibras.
🌍 Totora, papiro, juncos… uma história universal
As balsas de totora não são únicas na história da humanidade. Onde quer que água e juncos se encontrem, o homem inventou barcos de erva.
- Egito antigo: o papiro do Nilo transportava faraós e pescadores.
- Mesopotâmia: barcos de junco revestidos de betume no Tigre e no Eufrates.
- Norte da África: esteiras de junco trançadas em forma de embarcação.
- Ilhas do Pacífico: balsas vegetais.
Essas técnicas, embora distantes no espaço, são surpreendentemente semelhantes. Prova de que a simplicidade e a inteligência dos materiais naturais não conhecem fronteiras.
🚢 Expedições modernas para se reconectar com o passado
Nos anos 70, o explorador Thor Heyerdahl construiu a famosa Ra II, uma embarcação de papiro, para atravessar o Atlântico do Marrocos ao Caribe. O objetivo? Provar que contatos pré-colombianos eram possíveis através desses barcos primitivos.
Mais recentemente, surgiram outros projetos:
- Viracocha, uma balsa andina para o Oceano Pacífico.
- Tangaroa, uma balsa inspirada em polinésios e andinos.
- Kon-Tiki II, uma tentativa de voltar à América remando.
- Kota Mama III, uma travessia dos Andes ao Atlântico em 2001.
Essas expedições mostram que essas técnicas não são apenas história: ainda são viáveis.
⚠️ Um saber ameaçado
Hoje em dia, a totora está ameaçada por:
- a poluição do lago Titicaca,
- a mudança de práticas (barcos a motor, plástico),
- a falta de interesse das novas gerações.
Algumas balsas hoje são construídas apenas para turistas, numa versão folclórica que nem sempre preserva o verdadeiro saber.
Preservar essas técnicas é preservar uma relação mais humilde e sábia com a água e a viagem.
🦋 Pipilintu: voltar ao essencial
O projeto Pipilintu escolheu a balsa de totora para se reconectar com essa sobriedade milenar. Navegar com o vento, a corrente e a paciência. Inspirar-se em quem sabe que às vezes basta um junco e alguns nós para atravessar o mundo.
Construímos nossa própria balsa às margens do lago Titicaca, junto a artesãos aimarás. É uma homenagem, uma experiência e uma forma de reviver um saber que poderia desaparecer.
🎒 O que a totora nos ensina
A balsa é um símbolo:
➡️ A lentidão.
➡️ A inteligência das mãos.
➡️ O vínculo entre o homem e a natureza.
➡️ A humildade de quem aceita flutuar, sem querer dominar tudo.
Ela nos lembra que às vezes, o mais frágil também é o mais duradouro.